domingo, 17 de outubro de 2010

Cartas - I

Mais Fernando


Domingo, 29/11/1920

(...)

Quanto a mim...

O amor passou. Mas conservo-lhe uma affeição inalteravel, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequeneina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossem uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh'as attribuisse.

Não sei o que quer que lhe devolva - cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memoria viva de uma passado morto, como todos os passados; como alguma cousa de commovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos annos é par do progresso na infelicidade e na desillusão.

Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infancia, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras affeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memoria profunda do seu amor antigo e inutil (...)



Fernando Pessoa



Domingo, 17/10/2010


Quase 80 anos depois, e a descoberta de que certas coisas não mudam, ou são iguais em todos nós. Cartas nos revelam muito , guardam surpresas para o futuro, mostrando toda pureza, esperança e romantismo que talvez não existam mais. Assim como as fotos, são capazes de revelar exatamente o momento vivido, e todos os sentimentos que ele acarretou.

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