segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Doses Homeopáticas


Por muito tempo admirei as pessoas que conseguiam produzir, transformavam toda sensibilidade e tudo mais que transbordava em um trabalho formidável. Sem pudor, sem freio.

Sentia inveja dos cantores e escritores que viviam com fome, que mostravam todo interior  e eram o próprio espetáculo. Mostravam todo sofrimento, como uma janela da alma, capaz de tocar os nossos mais profundos desejos e frustrações.

E não eram só os artistas não, quem agia com a certeza de que não existia dia seguinte e por isso vivia sem parcimônia. Devorava a vida sem medo das consequências.

Lembro do que senti na primeira vez em que assisti Vinicius. Uma mistura de inveja com frustração e nostalgia.  Aquela sala cheia de gente, a música, o copo até a boca de whisky, as inúmeras paixões e filhos...

Acreditava que me empenhar para viver e fazer vale a pena era isso. Coloquei muita emoção, expectativa e paixão. Doses altíssimas em tudo.

Uma das coisas mais maravilhosas da vida é poder fazer uma leitura diferente em determinadas épocas de uma mesma coisa, do mesmo assunto.

Não temos como consumir a vida, beber tudo de uma só vez. Ter a plenitude e o reconhecimento, viver no mais alto índice do gráfico sem sofrer as amargas consequências. Podemos e devemos ser plenos sempre, e com isso sentir o mais breve e ordinário prazer em se entregar na mais tola e simples tarefa. Ter as nossas doses homeopáticas de loucura e exacerbar um pouquinho, a cada dia, a  nossa sensibilidade, bem na hora em que a razão se distrair.

A espera pela magia e por viver intensamente nos cansa ou nos mata. Desafio mesmo é ter paixão e interesse pelo cotidiano, pelo que foi conquistado. É fazer com amor o trabalho, a comida, a conversa, a corrida, o sexo.


E são essas doses que prolongam nossos dias, por mais tentador que seja uma dose cavalar, as pequenas doses nos deixam leves e queridos, nos dão prazer, saúde, bochechas coradas e olhos brilhantes.