Por muito tempo admirei as pessoas que conseguiam produzir, transformavam toda sensibilidade e tudo mais que transbordava em um trabalho formidável. Sem pudor, sem freio.
Sentia inveja dos cantores e escritores que viviam com fome, que mostravam todo interior e eram o próprio espetáculo. Mostravam todo sofrimento, como uma janela da alma, capaz de tocar os nossos mais profundos desejos e frustrações.
E não eram só os artistas não, quem agia com a certeza de que não existia dia seguinte e por isso vivia sem parcimônia. Devorava a vida sem medo das consequências.
Lembro do que senti na primeira vez em que assisti Vinicius. Uma mistura de inveja com frustração e nostalgia. Aquela sala cheia de gente, a música, o copo até a boca de whisky, as inúmeras paixões e filhos...
Acreditava que me empenhar para viver e fazer vale a pena era isso. Coloquei muita emoção, expectativa e paixão. Doses altíssimas em tudo.
Uma das coisas mais maravilhosas da vida é poder fazer uma leitura diferente em determinadas épocas de uma mesma coisa, do mesmo assunto.
Não temos como consumir a vida, beber tudo de uma só vez. Ter a plenitude e o reconhecimento, viver no mais alto índice do gráfico sem sofrer as amargas consequências. Podemos e devemos ser plenos sempre, e com isso sentir o mais breve e ordinário prazer em se entregar na mais tola e simples tarefa. Ter as nossas doses homeopáticas de loucura e exacerbar um pouquinho, a cada dia, a nossa sensibilidade, bem na hora em que a razão se distrair.
A espera pela magia e por viver intensamente nos cansa ou nos mata. Desafio mesmo é ter paixão e interesse pelo cotidiano, pelo que foi conquistado. É fazer com amor o trabalho, a comida, a conversa, a corrida, o sexo.
E são essas doses que prolongam nossos dias, por mais tentador que seja uma dose cavalar, as pequenas doses nos deixam leves e queridos, nos dão prazer, saúde, bochechas coradas e olhos brilhantes.